A Arte Visionária de Sabrina Menedotti

Publicado por Revista Paná em

Pernambucana de 30 anos, Sabrina Menedotti é uma multiartista espiritualmente inspirada. Artista visual e escritora, também produz arranjos musicais e audiovisual. Conversamos com ela sobre seu último trabalho, O Claro e o Escuro da Lua, poemas musicados em uma língua própria, subjetivamente revelada, e também sobre suas referências e parcerias futuras.  

Marcelo Machado: Olá Sabrina! Você poderia começar nos contando como começou a escrever os poemas do “O Claro e o Escuro da Lua”?

Sabrina Menedotti: Eu estava deitada na cama no escuro, com o celular na mão pensando em me comunicar através de uma linguagem ou língua que não existisse, porém usei como símbolos as letras do alfabeto e fui fazendo fluxos de pensamentos com letras que geravam fonemas e assim que eu terminava uma frase inteira eu lia e traduzia em sequência o que aquilo pretendia dizer. Estava começando a escrever o livro sobre literatura científica no qual estou trabalhando, e senti essa necessidade de trabalhar com esse formato de poema sonoro, de cara eu já sabia que queria musica-los e minha grande referência foram duas mulheres, uma da música outra da literatura, que são Elizabeth Fraser e Hilda Hilst. Mas também sei que James Joyce em alguns momentos usou a glossolalia em seus trabalhos, ele não foi uma inspiração direta, mas indireta sobre esse tipo de literatura.

Marcelo: Fala um pouco mais sobre esse livro de literatura científica e como isso salta para essa inspiração?

Sabrina: Paralelamente estava trabalhando com paisagens sonoras, experimentando ruídos e loops, lancei 5 eps de paisagens esse ano, um deles em parceria com um produtor musical argentino Cristian Miranda, que se tornou um amigo e referência também. O livro de literatura científica, investiga formatos da ciência ligadas a canalização de informações que costumo receber, seja através de vozes, ou inspirações que prevejo e pressinto, ou seja, esse trabalho não pretende contestar ou afirmar nada dentro da ciência como ela é mas está para além de investigações pessoais, nos quais envolvo o big bang, a teoria das cordas, o buraco negro, a relação das redes (mídias) com o tempo, e a gestação de uma espécie de terceiro tempo, que seria como afirmo no livro o tempo paralelo, o tempo em que vivenciamos passado, presente e futuro como sendo um só, na construção do agora, o agora aqui não tem apenas um tempo (o presente) mas uma camada envolta como um buraco negro recebendo informações de multiversos.

Sabrina Menedotti

Marcelo: Essas revelações são muito importantes para você não é mesmo? Você é religiosa? Como essa filosofia se revelou pra você? Foi antes ou depois de você se entender como multiartista?

Sabrina: Essas revelações começaram com desenhos, eu desenhava determinados símbolos ou imagens e algumas das coisas que eu desenhava aconteciam. Sempre fui ligada ao simbolismo , misticismo e ocultismo, estudo um pouco essas correntes, apesar de ter nascido e batizada na igreja católica não frequento e não criei vínculos com a religião, já a umbanda me acolhe e explica fenômenos que tenho vivenciado, os espíritos quando incorporados em minha Ialorixá me mostram que tenho fortes conexões com os espíritos de “agora”, também utilizo um diário de sonhos e foi através de um sonho com Francisco Goya que comecei a desenhar, ele foi meu mentor, assim como ouço vozes em diversos idiomas me guiando a escrever a maioria dessas peças que produzo. Minha base foi a literatura, minha mãe é formada em letras, e desde criança eu frequentava com ela aulas de literatura e latim, gostava bastante da sonoridade, acredito que o projeto ” O Claro e o escuro da lua” tem muito de latim, talvez uma volta a infância, já que falo em fases lunares, essas fases criam uma espécie de gestações internas em mim, onde me provoco a imagem de como seria o nascimento da lua no céu.

Marcelo: Sim, e essas revelações são tanto em forma de arte, filosofia, conhecimentos e acontecimentos certo? Você frequenta a Umbanda a quanto tempo? Desde nova você sente essas revelações?

Sabrina: Essas revelações sempre vem em forma de desenhos, textos, poesias e filosofia sim. Faz pouco tempo que eu frequento a umbanda mas desde pequena eu comecei tendo febres emocionais, quando estava acontecendo alguma coisa, sempre fui muito sensível , mas as revelações iniciaram depois que sai de casa para morar sozinha, aos 18, depois do sonho que tive com Francisco Goya e comecei a desenhar, na adolescência escrevi um romance no meu caderno de escola (que se perdeu) chamado “Moléculas Soltas”, sempre tive uma forte atração por química, e era uma das melhores alunas na matéria durante o colégio, comecei a ler mãos quando morei em Recife, e lia intuitivamente, parei de ler depois que me assustei ao fazer uma leitura que implicou na demissão voluntária de uma das funcionárias do museu onde trabalhei como arte educadora, ela pediu demissão pois eu vi na mão dela que ela estava negligenciando cuidados de saúde ao filho enfermo para se dedicar ao trabalho. Depois disso fiquei muito assustada e parei de fazer a quiromancia.

Marcelo: E por conta você pesquisa o ocultismo? Faz tempo?

Sabrina:  O ocultismo é algo mais recente, comecei a estudar um pouco sobre Helena Blavatsky e o KYBALION, já tive sensações de ter estado na presença dela em alguns momentos, quando comecei a estudar um pouco sobre Telecinesia, mas tudo de forma natural e curiosa mesmo, movida por uma vontade interna de entender esses fenômenos já que eu lido com isso a alguns anos, mas estudar mesmo, só a pouco tempo entrei também em meditação guiada e estudos da consciência e mestres ascensionados como Saint Germain e outros.

Marcelo: Fiquei muito curioso para saber mais sobre sua visão mais aprofundada disso tudo. Pode ficar à vontade para descrever, não precisa se preocupar que esteja bem finalizada essa perspectiva.

Sabrina: Eu não tenho uma organização pragmática para explicar tudo isso, sinto como se fosse um rio, e navego meu corpo de rio por entre correntezas, recebo as informações e vou canalizando e direcionando para cada área, recebo informações várias, sobre muitos aspectos que questiono e me apego ao fazer- transmutar essas informações, o sonho é meu grande veículo, meu transporte, nele acesso quase 50% dessas informações, a outra metade tenho quando acordada, recebo insights e estalos de repente, pode acontecer de estar dormindo e tendo um sonho lúcido, mas também pode acontecer de fechar os olhos e em estado meditativo transformar meu corpo em uma nave e adentrar o buraco negro, investigações que vem do céu, de olhar para sua imensidão e acolher as informações que chegam e transformá-las em símbolos, signos , por meio da imagem, da palavra, do som.

Marcelo: Sinto que na sua arte muito de tudo isso se mostra com facilidade. Fala mais sobre esse conteúdo do O Claro e o Escuro da Lua e deste livro de literatura científica.

Sabrina: O claro e o escuro da Lua tem versos que mostram por si só esse universo maior que temos ao olhar para o céu, e observando as fases lunares, é como se a lua morresse e vivesse em seus ciclos, então os versos cantam a essa Lua, a essa gestação da Lua, ao início de todos esses ciclos, como se fosse a primeira aparição da Lua no céu, e o livro de literatura científica se preocupa com esse início da Terra, do sistema solar e da própria Lua, Sol, astros, a gestação de tudo.

Marcelo: Fala mais sobre o processo de criação dele, sobre essa língua própria, sobre os arranjos musicais.

Sabrina:  Então, o processo de musica-los eu dividi com outra pessoa, que foi o Joaquim Scandurra, mandei para ele a voz dos poemas e ele musicou todos eles, influenciei apenas com referências de sonoridades do que eu queria, ele que fez toda a trilha e montagem dos poemas.Escolhi ele para musica-los porque gosto bastante dos trabalhos sonoros que ele faz como produtor musical, e o contratei como músico e produtor para assinar a trilha musical dos poemas, portanto o projeto sonoro é feito a quatro mãos.

Marcelo: Sim, gostaria de falar sobre todas suas parcerias, mas antes queria entender melhor esta obra “O Claro e o Escuro da Lua” porque ela realmente me encantou. Como foi traduzir os fonemas que lhe foram revelados?

Sabrina: A tradução foi completamente intuitiva, a frase me vinha por inteira na cabeça, era tão rápido que eu não conseguia escrever direito, foi um fluxo de consciência enorme, muito rápido mesmo. Escrevi 6 poemas num dia, com suas respectivas traduções, e depois mais 2 para fechar os 8.

Marcelo: Sabe que esse fenômeno de falar em línguas é bastante debatido, tanto religiosamente, quanto na história da linguagem quanto na psicologia. Como você encara esse seu fazer artístico em relação a essas áreas? Por que você queria uma língua nova? Como isso se liga a sua visão de arte hoje?

Sabrina: Nada tem a ver esse meu fazer artístico com religiosidade, mas talvez com espiritualidade que pode ser por meio dela que posso ter canalizado essas informações em forma de poesia, já na psicologia não sei qual ligação teria também, e acredito que é uma forma de fazer literatura com palavras, frases, advindas de um fluxo de criatividade no qual denomino de glossolalia literária, querer fazer uma nova língua, seria o mesmo que tentar me comunicar pela primeira vez com meu eu e outro interior, criar assim uma forma de me comunicar singularmente comigo mesma e com o outro.

Marcelo: Sim, mas a tradução sempre vem junto no fluxo criativo?

Sabrina: Sim, vem junto, assim que vem a frase, vem a tradução em sequência. Agora estou com dois livros, um de contos e um de poemas, em fase de orçamento e contrato com a editora da revista Philos do Rio de janeiro. Fico imensamente feliz com isso. Passei 12 anos produzindo e só agora estou tornando público meus estudos e projetos. O que você achou dos áudios? dos poemas? a sonoridade te agrada?

Marcelo: Me agrada bastante, me causa uma sensação diferente, única. Ao mesmo tempo que não consigo escutar tudo de uma vez, sinto um peso, depois de cada pausa sinto forte vontade de voltar a ouvir. As traduções me parecem tão pertinente como se de fato houvesse um dicionário para isso.

Sabrina: Porque de fato, eu escrevo bastante, estou com quase 3 livros de poemas para serem revisados.

Marcelo: Fala mais sobre esses livros.

Sabrina: Os três livros de poemas marcam diferentes fases da minha vida, “O mar noir” foi com a descoberta de Deleuze a Antonin Artaud, tanto que cito eles no livro, um deles está sem título, e foi o primeiro de poemas que escrevi, ainda falta revisar, e o último é “O sentimento das cores” no qual estou trabalhando no momento, vou pegar aqui um dos poemas pra te mostrar:

Quem é você do outro?

Do outro lado do espelho

sobre as muralhas do eu

Quem é que está do outro lado

de dentro de você?

Um arquétipo de animal

te confunde?

Uma bola quicando sobre o gramado

te apresenta o pulo

verás que o sol se esconde

em sua própria miragem

de calor

do outro lado da rua

coqueiros balançam sua sombra

sobre os quintais

e anunciam o pôr-do-sol sem sombra

ao longo do dia que passa

quem é meu eu no dia que morre a contra tempo?

E meu outro que caminha junto à sombra do coqueiro?

Meu eu sou eu ou sou o outro?

A maior evidência

é se perguntar: quem.

Marcelo: Muito interessante. Tenho refletido muito sobre isso, sobre o interior da mente, como é? Como sou eu e ao mesmo tempo não. Sua poesia trás muito disso, como belas imagens.

Sabrina: É bem pertinente essa questão. Eu trabalho com um eu-múltiplo de múltiplos órgãos e organismos, então ser muitos é meu oficio.

Marcelo: Como compreender o todo através do múltiplo, isso me orienta muito.

Sabrina: Pois é, sempre me tratavam com desdém por e estar transitando em muitas áreas da linguagem, mas isso nunca me fez desistir. Eu só estou viva por conta dessa multiplicidade, se eu fosse apenas um, eu gostaria ainda assim de ser outros.

Marcelo: E você pensa muito sobre isso? É recente essa sensação, ou sempre foi assim?

Sabrina: Sempre foi assim, eu sempre me senti muitas, muitas vozes, visões, muitas ditas “encarnações” difundidas em um só corpo-morada, sempre me assisti de fora e por dentro, exceto quando me apaixono. quando isso acontece costumo não me observar tanto, apenas mergulhar num mar de emoções sem fundo.

Marcelo: Você tem se aprofundado na Umbanda? Ela lhe agrada por completo ou você recorre a outros espiritismos também?

Sabrina: Eu não fujo do amor, mas entendo que quando amo, o outro se torna parte de minhas “ilusões” sabe?Bem, como dito sou muitas, não fico só na umbanda, acendo incensos, velas, faço orações sincréticas ou orações budistas, hinduísta e etc, gosto muito da figura da Kali, mas na umbanda cumpro ritos semanais, de abstenção de algumas coisas, regras, mas não estou 100% ali. E nem sei se virei a estar.

Marcelo: Sim, e como você separa o que são suas ilusões, como você mesmo citou, do que é espiritual?

Sabrina: Minhas ilusões, eu crio, fantasio, ornamento, e as coisas espirituais são de domínio próprio, elas me invadem, elas me regem, elas me ensinam, elas me fazem escutar a mim mesma, quando estou apaixonada, geralmente tendo a ilusionar, a criar, igual Fernando Pessoa num trecho do desassossego, que diz: eu agi sempre pra dentro, eu nunca toquei na vida, quando me apaixono eu fico nesse limite entre ilusão, criação do ser amado e da ilusão.

Marcelo: É interessante notar a diferença entre o que criamos e o que nos invade não é mesmo?

Sabrina:  É bem diferente mesmo. Eu fui apaixonada por anos por uma ilusão que criei de alguém, e eu via as coisas com os olhos dele, e era como se ele estivesse dentro de mim, escrevia diálogos possíveis entre a gente, e a gente se via todo fim de semana, mas quase não trocávamos palavras, ficava olhando pra ele na pista de dança imaginando nós dois juntos e etc, era uma pira introspectiva mesmo, ilusão total. A ilusão pode ser muito perigosa, é um monstrinho embaixo da cama alimentado com migalhas que vai crescendo até puxar o lençol e te derrubar. Pode ser assim.

Marcelo: Já fez arte sobre isso?

Sabrina: Fiz um curta metragem, “É difícil te encontrar” [link no final].

Marcelo: Vamos falar sobre suas referências e suas parcerias.

Sabrina: Sobre minhas referências eu sempre tive como ponto a literatura. Escrevo desde cedo e uma das minhas fontes de inspiração é a Hilda Hilst.

Marcelo: Faz tempo que você tem contato com a obra dela?

Sabrina: Faz um tempo sim, mais ou menos o tempo que sai de casa encontrei ela na estrada, uns 12 anos mais ou menos. Ganhei um livro autografado por ela em 1977 a um poeta alagoano, o neto desse poeta me deu de presente, tenho aqui comigo, o poeta alagoano Carlos Moliterno e a escritora que conheci ainda viva, a Anilda Leão.

Marcelo: Tem uma obra ou trecho preferido?

Sabrina: Gosto bastante do conto “Lázaro” e obra fluxo floema.

Esse conto me incomodou profundamente, eu costumo gostar de coisas que me tiram da caixa sabe?

Marcelo: Sim, também gosto muito, algo mais intenso.

Sabrina: Sim, a Hilda é expert nisso. Outro escritor de poemas que eu amo é o Roberto Piva, ele também me tira do eixo facilmente.

Marcelo: Destacaria alguma obra dele?

Sabrina: Eu gosto do “Mala na mão e asas pretas” e “Estranhos sinais de Saturno”. Essas obras fizeram parte da minha construção de vida.

Marcelo: Sim, tem umas que nos marcam de verdade mesmo.

Sabrina: Essas eu tenho mil histórias pra contar.

Marcelo: Pode citar quantas quiser.

Sabrina: Eu gosto muito do Fernando Pessoa também, a Marina Tsvetaeva, o Jorge Trakl em “De profundis”, Jacques Prevert. Em música o Phillip Glass e o Chopin, eu sinto um mundo dentro de mim que construí com essas referências.

Marcelo: E nas artes plásticas?

Sabrina: Referências nas artes plásticas tenho algumas como Ligia Clark, Anita Malfatti, Tarsila do Amaral, Van Gogh, Miró, o movimento expressionista alemão, é algo que me traduz muito e na música eu sempre gostei de experimentalismos sonoros, Synths, Hermeto Pascoal, Radiohead, Coltrane, jazz, blues, rock, bem vasto esse.

Marcelo: Conta sobre as parcerias que você já fez ou tem feito recentemente.

Sabrina: A primeira parceria que fiz em 2020 foi com Cristian Miranda um músico e produtor musical argentino, pegamos nosso gosto musical por New Order e Joy Division e fizemos um ep, o “Unknown Order”. A segunda foi do “O Claro e o Escuro da Lua” com Joaquim Scandurra, e a terceira está surgindo agora com Eduardo Escarpinelli, já lançamos o ep, o “Franz Kafka” juntos e estamos pretendendo lançar um selo de música lo-fi chamado Gamma- lo-fi, um selo de música independente que pretende através do duo Sabrina Menedotti & Eduardo Escarpinelli fazer música e apresentações em público. O selo será uma espécie de parceria de migração entre o Ceará e Pernambuco, pretendemos atuar em outras capitais também levando nossa música.

Links:

Livro “O Claro e o Escuro da Lua”:
https://issuu.com/sabrinamenedotti/docs/livro-o_claro_e_o_escuro___imagens?fbclid=IwAR3N-fyGJu5y04poVTKK8IYbD7lEP75AMgu9X8HPtH9-VsSe3cgMGIomC7Q

Áudio “O Claro e o Escuro da Lua”:

https://sabrinamenedotti.bandcamp.com/album/o-claro-e-o-escuro-da-lua?fbclid=IwAR17jY8deBFevDlKSIBaqa–TZSVRcKFwZ_VwLJyA29-Ry2e62AXMxVxFuQ

Curta metragem “É difícil te encontrar”:

“Unknown Order”:

https://sabrinamenedotti.bandcamp.com/album/unknown-order-sabrina-menedotti-cristian-miranda

“Franz Kafka”:

https://sabrinamenedotti.bandcamp.com/album/franz-kafka-sabrina-menedotti-eduardo-escarpinelli

Livro de Arte gráfica “Red and Blue ( Eu e Você)”:

 


0 comentário

Deixe um comentário

Avatar placeholder

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *