Ecofeminismo

Publicado por Revista Paná em

Vivemos um período em que os movimentos feministas ganham cada vez mais voz e adeptas ao redor do mundo. Mulheres de todos os tipos, cores, raças e credos se unem por um objetivo em comum: a busca pela igualdade de gênero e o fim do patriarcado. Tal questão é bastante subjetiva e traz com ela uma vasta reflexão. Neste sentido, diversos debates são travados com o objetivo de reconhecimento de suas identidades como seres humanos libertos de submissão, livres para decidirem e comandarem suas vidas, seus destinos e seus corpos, buscando participação igualitária entre gênero em todos os âmbitos da vida. Dentro destas características, é comum surgirem causas paralelas, com debates envolvendo outros segmentos sociais, como é o caso do meio ambiente, onde surge o ecofeminismo, movimento feminista que luta pelo fim da exploração da natureza pelo homem concomitantemente com a luta pela igualdade entre os sexos.

Desta forma, importante buscar respostas para alguns questionamentos: Há alguma relação entre o patriarcado e a pré-disposição das mulheres em proteger a natureza? O movimento ecofeminista surge desta relação? É possível interligar a emancipação feminina com as lutas ambientais? Além disto, é necessário também analisar as conquistas dos movimentos sociais, a luta pela igualdade de gênero, vinculando ao ecofeminismo, com o objetivo de estabelecer uma conexão histórica da relação entre mulheres e natureza, no sentido de buscar respostas quanto à existência de vinculação entre dominação masculina perante a mulher, a relação estreita de mulheres com a natureza, bem como a relação da exploração desenfreada dos recursos naturais pelo homem.

Buscar na história a luta pela emancipação feminina pressupõe, de maneira intrínseca e indispensável compreender sua relação com a natureza em suas mais variadas perspectivas. Neste ponto é importante perceber que a ligação entre mulheres e natureza pode se dar por diversos fatores, entre eles, a naturalização dos papéis femininos que culturalmente conectam mulheres e natureza, conforme ver-se-á adiante. Nesta senda, é necessário ter presente um cuidado maior para não relativizar, naturalizando as identidades femininas em uma visão fixa e determinista. É preciso ter em mente que o comportamento humano está condicionado a partir de processos históricos que estão em constante transformação, e se, de um lado há uma ligação histórica entre mulheres e natureza, por outro lado, no atual cenário mundial, o movimento feminista passa por um processo de empoderamento que tem buscado modificar as experiências da vida em sociedade, questionando questões impostas e naturalizadas como sendo o papel da mulher na sociedade. Em razão disto há diversas tendências que afirmam a relação entre mulheres e natureza, destacando o seu importante papel para a luta contra a crise ambiental, assim como há também diversas críticas no sentido de que afirmar tais tendências culturais é uma forma de reforçar a exclusão das mulheres da cultura, o que se tornaria um perigo para as conquistas feministas.

Se pararmos para refletir as questões históricas, as mulheres, de fato, sempre foram muito mais próximas da natureza do que os homens, desde épocas remotas, onde o homem saia para caçar e a mulher era a responsável pela manutenção do lar e cuidado dos filhos, ficando, muitas vezes, sob sua responsabilidade a agricultura familiar, o que caracteriza a dupla jornada de trabalho, problemática discutida até os dias atuais, que a fazia, de certo modo, estar mais próxima da natureza do que o homem, e com isso refletir o cuidado e responsabilidade com a mesma. 

A própria simbologia da figura “mãe Terra” é associada ao feminino. Uma das primeiras divindades criadas pelo ser humano foi Gaia, mãe do universo, que durante muito tempo permeou as crenças humanas. Os Vikings e Celtas, assim como outras religiões pagãs, cultuavam deusas, aproximando-as da Mãe Terra Gaia por possuírem, entre outras características, o poder da fertilidade. Com o passar do tempo, a sociedade ocidental afastou-se destes conceitos, passando a cultuar a figura de Deus, como um sexo masculino, preservando a figura de Maria, mas apenas como uma coadjuvante (ANGELIM, 2006). A substituição da deusa por um deus masculino e monoteísta serviu de base para que começasse a organização da dominação masculina, sendo aprofundada pelo cristianismo (EISLER, 2007).

Enquanto se cultuava a “Grande Mãe”, a mulher vivia em comunhão com a natureza e era tratada como um ser superior, divino. Plantava, colhia e produzia seu próprio alimento, conhecia todas as ervas medicinais e com elas cuidavam de todos na aldeia (CARNEIRO). Neste sentido, da proximidade da mulher com a natureza, surge a agricultura que, de acordo com indícios arqueológicos, foi uma invenção das mulheres, que durante o plantio e colheita dos alimentos observavam os fenômenos naturais, respeitando as épocas corretas de plantio e colheita (BADINTER, 1986).

Não se pode esquecer de mencionar também a Caça às Bruxas, importante acontecimento histórico da Idade Média. A Santa Inquisição, como foi chamada, matou mais de 9 milhões de pessoas, dentre elas, 80% eram mulheres. As “bruxas” eram parteiras, enfermeiras e farmacêuticas. Conheciam todas as plantas medicinais e eram as únicas capazes de tratar as comunidades pobres através do conhecimento do poder de cura pela natureza. 

Contudo, foi com o surgimento do capitalismo que as diferenças de gênero se intensificaram mais e é quando surgem as primeiras percepções claras de dominação patriarcal perante as mulheres, que ficam em casa, cuidam dos filhos e preparam o alimento enquanto o marido sai para trabalhar e garantir o sustento da casa. Estas atividades, antes valorizadas e vistas como superiores, com o advento do capitalismo, passam a serem vistas como mera obrigação e passam a ser desvalorizadas pela sociedade. É neste aspecto que se inter-relacionam mulher e natureza, pois o homem escasseia os recursos naturais sob a justificativa de lucro, ou seja, explora a natureza e também explora o serviço feminino, tratando seu trabalho como não produtivo, apenas como mera obrigação, sendo ambos tratados como meros objetos (ANGELIN, 2006). Neste sentido, além da ligação histórica entre o sagrado feminino e a natureza, com o ecofeminisno podemos perceber que ambas unem-se novamente contra um ser que é o dominador (DI CIOMMO, 2003).

Há muitas razões para a ligação entre mulher e natureza ser tema tratado dentro do feminismo. Ao mesmo tempo que essa questão pode levar a uma importante revelação sobre o modelo de sociedade que vivemos, por outro pode ser considerado uma preocupação para ecologistas quando analisam a “masculinidade” das questões culturais e a “feminilização” da natureza bem como as formas de escapar desta dominação; o modelo masculino de tratamento perpetua a degradação do meio ambiente em prol de sustentar o capitalismo desenfreado, assim como perpetua diversas formas de exclusão e desvalorização das mulheres.

Com a percepção de que vivemos uma crise ambiental e que preservar o planeta é necessário inclusive para garantir a sobrevivência da espécie humana, houve um despertar de valores ecológicos. Estes valores remontam as questões femininas aqui retratadas como o cuidado e a solidariedade. Neste aspecto, a justificativa de que as mulheres estão mais próximas da natureza pode trazer um risco de interpretação associando-as, novamente, com as posições inferiores da cultura, onde a participação das mulheres na sociedade era vista como menos importante que a do homem. É possível perceber uma desvalorização da mulher baseada na própria desvalorização da natureza.

Na busca por compreender fatores geradores da dominação feminina bem como a exploração da natureza e sua correlação, deu-se o nome de ecofeminismo, movimento que tem contribuído nos debates feministas às questões de manutenção e preservação da vida em todas as suas formas. Deste modo, o movimento ecofeminista, de forma geral, busca propor formas de construir e culturalizar uma melhor convivência no planeta de acordo com preceitos de preservação ambiental visando o desenvolvimento sustentável, opondo-se a exploração tanto capitalista que vitima a natureza, quanto patriarcal, que vitima a mulher, entendendo ser tanto uma quanto a outra vítimas de um mesmo sistema. Importante lembrar que, respeitando a pluralidade e o empoderamento feminino, mesmo com as conexões de subordinação históricas estabelecidas, nem todas as mulheres são cooperativas, sensíveis e solidárias com a natureza, e esta pluralidade deve ser respeitada e considerada.

Nesta senda, pode-se dizer que o ecofeminismo representa um movimento político de mulheres que, reagindo a essa associação historicamente feita, optaram por lutar ao lado da natureza contra esta forma dualística de opressão cultural considerando que há um inimigo em comum em ambas as lutas, qual seja, o capitalismo alimentado pelo patriarcado em questões envolvendo o comportamento do homem quanto à desvalorização da mulher e da natureza.

O ecofeminismo trabalha com o conceito de gênero, afirmando que a mulher não é diferente do homem apenas pelas suas experiências uma vez que o enraizamento biológico confirma a experiência social. Nesta gama de complexidade não há como ter certeza do que é próprio da natureza feminina e o que é cultural e socializado (DI CIOMMO). Entretanto, é preciso frisar que os movimentos sociais surgem com o intuito de usar estas informações para modificar o meio, diminuindo assim as desigualdades que permeiam as relações homem x mulher, utilizando estas hipotéticas características femininas como forma de conscientizar a espécie humana dos perigos de suas ações, transformando-se deste modo, em lideranças na luta pela preservação ambiental.

O movimento ecofeminista eclodiu na década de setenta, no auge do surgimento dos movimentos sociais, diante dos primeiros sinais de crise ambiental. Foi o momento em que as mulheres reconheceram a possibilidade de lutar contra a opressão feminina juntamente com a exploração da natureza, formando um único marco teórico. O termo ecofeminismo surgiu por volta de 1974, utilizado por Fraçoise d’Eaubonne, em sua obra “Le Feminism ou la Mort”, em tradução livre Feminismo ou a morte, onde definia o conceito de ecofeminismo como a capacidade das mulheres de desenvolver uma mudança tanto entre gênero e os sexos como entre a humanidade e o meio ambiente. O movimento passou a ser amplamente disseminado, se tornando uma das principais bandeiras de luta, principalmente para as mulheres das regiões mais pobres do planeta, as primeiras a sofrerem com a escassez de recursos. Com o movimento surgiram projetos, lutas e líderes femininas em prol da proteção e preservação da natureza interligando com a busca pela igualdade entre homens e mulheres (ALENCAR).

O que se verifica, portanto é que as identidades humanas são construções históricas baseadas em relações de poder. Não se pode esquecer também que há questões biológicas peculiares a cada sexo, entretanto, estas diferenças não podem se tornar pressupostos para justificativa de tratamento desigual. No contexto do ecofeminismo, todo o exposto acima é preciso ser recebido de forma a não reproduzir e reforçar que, por estar a mulher mais próxima a natureza, há justificativa para comportamentos patriarcais. É preciso extrair destes conceitos especialmente a análise da exploração das mulheres e da natureza pelo capitalismo patriarcal e vislumbrar formas de superar esta opressão na busca pela igualdade entre gêneros bem como pelo desenvolvimento sustentável (ANGELIN, 2014).

Aline Pires, Bacharel em direito e ativista dos direitos humanos.


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