O mundo pós-pandemia
Nos últimos meses fomos pegos de surpresa por um fenômeno raro, uma epidemia de níveis mundiais, uma pandemia. Com potencial para centenas de milhares de mortes ou até milhões, causou impacto no modo de viver de bilhões de pessoas pelo globo. Foi a quarentena a medida mais eficaz para conter o avanço da doença, enquanto não há cura ou vacina contra a enfermidade.
Há locais que optam por maior rigidez, outros por menos, mas todos tiveram de se debruçar sobre essa questão. Conforme a gravidade da situação fica clara para população de uma região, após verificarem o colapso dos sistemas de saúde e funerário, as medidas de isolamento social são menos questionadas e tem maior adesão. Entretanto, a questão já se tornou objetos de disputas políticas, acirrando a já grande polarização em diversos lugares.
A forma como se lida com a morte é um fator realmente importante tanto para o comportamento como para a mentalidade de cada pessoa. Diante de sua iminência é comum que se desenvolvam as fases do luto e do desengano, com reações que vão da negação, seguida pela raiva e então pela barganha, pela depressão até se chegar à aceitação. Este momento trouxe a morte para mais perto de todos, mas a desigualdade em diversos aspectos faz com que as reações variem, levando cada uma das fases citadas anteriormente a se manifestarem em intensidades e tempos diferentes para cada pessoa.
Com a noção de negação também estão todas as formas de recusa e maneiras de evitá-la, todos fogem da morte e da dor. Mas quando estes males se aproximam tanto assim de todos, não se pode negar que nos encontramos em tempos difíceis, tempos que demandarão sacrifícios. O acirramento dos conflitos também é esperado, conforme a raiva se prolifere entre a população, até que todos barganhem, e está barganha em uma sociedade crivada por conflitos é também a barganha sobre o sacrifício, sobre quem deve fazer os maiores sacrifícios.
De todo modo o sacrifício é algo valioso para sociedade, muitos dos seus maiores valores foram forjados em momentos de grandes sacrifícios para muitos. Todas essas fases do luto e do desengano interferem nas dinâmicas sociais onde acontecem essas negociações, sacrifícios e a aceitação das mortes que não foram evitadas. Alguns vão aceitar perder parte da liberdade que tem para manter a saúde, ao menos temporariamente, outros não vão aceitar perder nada, nem liberdade, nem recursos, entrando em completa negação sobre a possibilidade que tem de perder a vida, ou defendendo o sacrifício dos outros.
Está evidente que passamos por um momento crucial da nossa história, onde muitos sacrifícios estão sendo exigidos e muitos valores estão sendo negociados e é chegado o momento de aceitarmos essa condição, uma nova ordem mundial está sendo instalada, como alguns já tem dito, o “novo normal”. Muitos já aceitam e se organizam, já debatem o que deve ser sacrificado e o que deve ser preservado, e é exatamente isso que precisamos fazer agora, pois se não fizermos há uma certeza, farão por nós e podemos ser nós os sacrificados sem que nada se preserve por isso.
Marcelo Machado, cientista político pós-graduado pela PUC-SP, é pacifista e acredita na sociedade civil organizada como indutora de um desenvolvimento sustentável.
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