Podemos! Mas não sabemos… – Parte 1
Existe um termo que todos precisariam conhecer, mesmo não sendo popular atualmente no Brasil, talvez pelo fato de ser comumente empregado no original em alemão, Realpolitik, Política Real em tradução literal.
Mesmo com sua origem alemã, é compreendido de diferentes modos ao redor do mundo. No Brasil é usado com maior frequência para se referir a Política de Estado, com seu contemporâneo debate entre neoliberais e socialistas por mais ou menos austeridade econômica nas contas públicas.
É deste modo um termo tendencioso, por negligenciar a política realizada por movimentos sociais, organizações não governamentais e pela grande massa da população. Como se essa política não tivesse força o suficiente para ser considerada verdadeira. Não há como negar essa interpretação, pois na maioria esmagadora das vezes o uso do termo se refere justamente a esta distinção. Porém, não nos interessa agora um juízo de valor a respeito deste uso, mas sim pensar o que este conceito e seu uso nos diz sobre a nossa sociedade.
Seu emprego nos parece querer indicar como derradeira a vitória do capitalismo como mais avançado sistema de organização das sociedades, com sua democracia burguesa e livre mercado global. Como se a política real, a que tem valor de verdade, não pudesse mais ser separada da economia e que os demais aspectos da cultura fossem secundários diante das acumulações de recursos e poder dos Estados e de gigantescas instituições privadas.
Toda esta abordagem pode ela também ser considerada ideologizada. Capitalismo, democracia e livre mercado carecem de mais adequadas definições. Dizer ser crítico deles ou simplesmente contra não nos ajuda em nada no esclarecimento do que exatamente estamos falando.
A origem destes termos e a abordagem crítica a eles podem ser consideradas recentes e a forma em que este debate se tornou o paradigma no cerne do nosso regime político, mais recente ainda, por isso não surpreende a dificuldade atual de popularizá-lo.
Em espaços intermediários entre o formal e o informal, voluntários conservadores e militantes de esquerda, mesmo com um esperado desacordo entre eles, atuam ambos no contraponto desta concepção, rechaçando qualquer movimentação financeira conjunta, com um discurso radicalmente antiliberal. Essa contradição se destaca ainda mais com o fato de que estes atores nunca abrem mão de seus privilégios e rendimentos, atuando para que esses se mantenham os mais restritos possível. O termo Realpolitik não tem nenhuma força nesses espaços. Mas seria essa uma contradição real ou apenas aparente? Essa nos parece ser uma questão importante. Movimentos sociais e as demais pessoas e organizações autônomas desejam evidentemente fazer uma política verdadeira e relevante, porém, se veem obrigados a atuar em espaços interditados, onde são administrados de forma muito limitada qualquer fluxo de recursos ou pressão política.
E se nesses espaços fosse superado tão evidente cinismo e discursos retrógrados e pudéssemos juntos repensar o que de fato significa a hegemonia capitalista na atualidade, livre iniciativa ou democracia, poderíamos requalificar a atuação destes movimentos, pessoas e organizações, tornando-os mais fortes e eficazes?
Está é uma pergunta que só pode ter uma resposta na prática, mas o certo é que ou o povo vai em direção da real política ou não sairemos da encruzilhada que atualmente nos encontramos, pois já está bem claro que os que fazem a real política não estão dispostos a ir em direção as reinvindicações do povo.
Considerando o comportamento individual de cada ator político destes espaços em suas vidas cotidianas e as críticas de amplos setores da sociedade as medidas de austeridade do atual governo podemos concluir que já temos tudo para dar este importante passo, apenas não nos demos conta.
Marcelo Machado, cientista político pós-graduado pela PUC-SP, é pacifista e acredita na sociedade civil organizada como indutora de um desenvolvimento sustentável.
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