Eu Não Sou Um Homem Fácil e sua subjugação de gênero.
“Se os homens não tivessem as mulheres na sociedade, ou se as mulheres não tivessem os homens, ou se ainda houvesse uma sociedade de homens e mulheres na qual elas não estivessem sob o controle deles, algo positivo poderia ser revelado quanto às diferenças mentais e morais herdadas pela natureza de cada um deles.”
O filósofo britânico Stuart Mill, em seu célebre livro “A Sujeição das Mulheres”, aborda a discrepância de gêneros em nosso sistema social de forma análoga à continuidade da escravatura primitiva, a qual ocasiona um imenso obstáculo no progresso humano. Sua abordagem considera a subjugação de um sexo a outro – independentemente de qual seja ele – como um erro grotesco e um desserviço evolutivo.
Coincidentemente, enquanto deleitava-me com tal obra, fui agraciada com o lançamento do filme francês “Eu Não Sou Um Homem Fácil” – dirigido por Éléonore Pourriat – que acompanha a mesma linha de raciocínio supracitada, nos retirando de uma determinada zona de conforto, a qual sempre existirá, convenientemente, a superioridade de um gênero a outro. Apesar de consideráveis conquistas femininas acerca da erradicação de sua subordinação histórica, sejam elas contemporâneas ou não, ainda vivemos à beira de um imenso abismo que nos separa do convívio ideal de igualdade social, profissional, política e econômica.
De forma cômica e brilhante, o longa nos apresenta a ideia de como seria um universo femista: os homens representam o sexo frágil, sofrem abusos de todos os tipos, possuem suas capacidades cognitivas questionadas, são pressionados pelos padrões de beleza impostos pelas mulheres, tornam-se donos de casa responsáveis pela manutenção da família, ocupam cargos de total subordinação e têm seus corpos sexualizados todo o tempo. Ou seja, a dominação inverte-se, e o oprimido – literalmente – torna-se o opressor.
Mais do que criar uma empatia obrigatória, fica evidente que o objetivo da obra é ridicularizar a ideia de que a supremacia dos sexos é positiva em qualquer esfera. Tem, em sua essência, o desígnio feminista – ou seja, de direitos equânimes entre homens e mulheres – de apresentar o ponto de vista reverso àquele vivido em nossa sociedade, desde sua criação; porém, sua estrutura atravessa fronteiras, satirizando a necessidade humana de estar sempre em posição dominante – seja em função de seu gênero, cor, raça, religião, ou qualquer outra característica identitária de um grupo específico, com a ínfima ideia de ser melhor, mais importante ou especial que os demais.
A película faz-se necessária não apenas como forma de entretenimento, mas principalmente pelo incômodo que é capaz de produzir ante sua escrachada e pitoresca abordagem, pensada e desenhada em todos os seus detalhes: do sexo casual ao pôquer, do ambiente corporativo às bebidas e restaurantes, do nome das ruas às vestimentas das personagens. Seu ar jocoso transcende a questão de gênero predominante e coloca-nos, sem exceção, em nossos devidos lugares: lado a lado, uns com os outros.
Carla Viana, advogada e ativista da causa feminista.
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