Liberdade Feminina: concepção, contracepção e gestação.
Embora seja um tema recorrente na vertente feminista, a liberdade feminina sobre assuntos relacionados à escolha por ter ou não filhos divide opiniões, uma vez que, mesmo à mulher ter conquistado o direito ao seu próprio corpo há mais de 40 anos, seu comportamento e conduta ainda sofre interferência do Estado, da Igreja e do Patriarcado.
Não é necessário acessar fontes profundas sobre o assunto para termos clareza sobre essa interferência. O aumento do conservadorismo político e a forte presença da bancada evangélica são os principais fatores que freiam a igualdade de gênero no Brasil. A classe médica em geral interfere fortemente no controle de natalidade e as opções disponíveis hoje são restritas à configuração de família tradicional, onde mulheres engravidam, têm seus filhos, lidam com a maternidade e é a vida que segue.
O aborto é crime, a responsabilidade pela contracepção é da mulher, o machismo e o movimento feminista radical exclui mães, e mulheres que criam seus filhos sozinhas são marginalizadas na sociedade.
O intuito dessa reportagem/matéria é desmistificar alguns padrões falidos de construção social e dar voz às mulheres mal assistidas pelas políticas públicas de controle de natalidade e planejamento familiar.
Contracepção
No Brasil, a Lei de nº 9263 determina que “O planejamento familiar orienta-se por ações preventivas e educativas e pela garantia de acesso igualitário a informações, meios, métodos e técnicas disponíveis para a regulação da fecundidade.”
Acesso igualitário até certo ponto. De acordo com a cientista social Carmem Barroso, integrante do Painel Independente da Estratégia Global sobre Saúde de Mulheres, Crianças e Adolescentes do secretário-geral da ONU, o acesso aos métodos contraceptivos entre as adolescentes de classes mais baixas é deficiente. Essa informação é claramente observada segundo dados apresentados no relatório “Fecundidade e Maternidade Adolescente no Cone Sul: Anotações para a Construção de uma Agenda Comum”, apresentado em abril deste ano pelo Fundo de População das Nações Unidas, na Argentina, cerca de 1,25 milhão de nascimentos que ocorrem nos países do Cone Sul são de mães adolescentes (15 a 19 anos), sendo que uma em cada cinco mulheres vivendo na região será mãe antes de terminar a adolescência.
No Brasil, a maternidade adolescente indígena representa o dobro da não indígena e a taxa de fecundidade adolescente diminui conforme aumenta a renda do lar. As adolescentes que moram em residências com renda igual ou inferior a 25% do salário mínimo per capita apresentam uma taxa de fecundidade de mais de 126 nascimentos por 1 mil mulheres. Entre as que residem em residências com rendas familiares per capita de duas a três vezes superior ao salário mínimo, a taxa de fecundidade cai para 31 nascimentos por 1 mil mulheres, e entre as que moram em residências com rendas mais altas, a taxa é de 8 a cada 1 mil.
Ainda de acordo com a UNFPA, a taxa de fecundidade adolescente no Brasil passou 86 para cada 1 mil habitantes em 2000 para 75,6 em 2010. Esse indicador é quase o dobro de outras regiões do mundo, nas quais a média é de 48, 9 por 1 mil.
Além dos métodos contraceptivos tradicionais, homens e mulheres que desejarem se submeter a um procedimento de esterilização (vasectomia e laqueadura), somente o farão se forem indivíduos com capacidade civil plena e maiores de vinte e cinco anos de idade ou, pelo menos, com dois filhos vivos, desde que observado o prazo mínimo de sessenta dias entre a manifestação da vontade e o ato cirúrgico, período no qual será propiciado à pessoa interessada acesso a serviço de regulação da fecundidade, incluindo aconselhamento por equipe multidisciplinar, visando desencorajar a esterilização precoce; risco à vida ou à saúde da mulher ou do futuro concepto, testemunhado em relatório escrito e assinado por dois médicos.
Mas ainda há outro empecilho que gera muitas discussões e revolta: Na vigência de sociedade conjugal, a esterilização depende do consentimento expresso de ambos os cônjuges.
Em linhas gerais, significa que uma mulher que optar pela laqueadura precisa de assinatura do parceiro para que o procedimento de fato ocorra. Isso significa que o fato de uma mulher optar por não ter filhos não depende exclusivamente dela.
A lei em questão determina o mesmo ao homem, no caso da vasectomia. Mas não vale perder tempo em discutir a questão voltada ao homem, visto que, de acordo com pesquisa realizada pelo Data popular em 2015, das 67 milhoes de mães identificadas no país, 31% são consideradas solteiras. Cerca de 20 milhões de mulheres criam seus filhos sem ajuda e ou participação dos pais. O abandono paterno supera a quantidade de cirurgias realizadas por homens nos últimos anos.
Interrupção da gestação
O aborto não é um método contraceptivo, por questões óbvias, uma vez que o procedimento é realizado pós-concepção. Além disso, é considerado um crime contra a vida de acordo com o código penal brasileiro. Embora ilegal, cerca de 19 milhões de abortos são realizados por ano e de forma insegura, resultando na morte de 70 mil mulheres (Organização Mundial da Saúde).
Mulheres abortam todos os dias. Mulheres morrem todos os dias. O aborto clandestino constitui a quinta causa da morte materna no país e o próprio governo brasileiro afirma, em relatório elaborado para o evento “Pequim + 20” que “a situação configura um problema de saúde pública de significativo impacto” e “ainda que a legalização do aborto seja uma reivindicação histórica do movimento feminista, o tema encontra forte oposição do crescente setor conservador e religioso da sociedade, de grande influência no Poder Legislativo”.
Concepção
A maternidade é linda sob o ponto de vista romântico elaborado pela tradição familiar e pela grande maioria das religiões. Mulheres ganharam dos Deuses o poder de gerar uma vida e lhe servir como fonte de vida durante o desenvolvimento do bebê e como fonte de alimento após o nascimento. Os cuidados maternos saram as dores dos filhos. Ser mãe é padecer no paraíso.
Não, por favor. Tratar a maternidade dessa forma é excluir a mulher da sociedade como ser social. É lhe atribuir um dom que nem sabemos se de fato existe, uma vez que mulheres não geram bebês sozinhas, logo, deveria existir também o “dom de ser pai”.
Existe um movimento dentro do feminismo denominado Child Free, uma afronta à maternidade compulsória que divide opiniões. Entretanto, em uma sociedade igualitária, mulheres não devem ser obrigadas a se tornar mães por questões oriundas de fatores externos às suas vontades e anseios.
Patricia Leone, Doula, Jornalista e ativista pelos direitos das mulheres.
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