Rebelião Maromomi: Arte apesar da Maldição
Coletivo Ctrl+v lança livro com trabalhos de 19 artistas guarulhenses, dentre os quais textos, poesias e imagens inéditas
Por João Ferreira Filho
Um coletivo de publicações independentes formado por poetisas, poetas e artistas visuais de Guarulhos, engajados na produção de poemas, prosas, ilustrações e fotografias sobre inúmeros movimentos artísticos da cidade. No mês de julho, o coletivo Ctrl+v apresenta Rebelião Maromomi: Arte apesar da Maldição, livro que reúne o trabalho de 19 artistas com textos, poesias e imagens inéditas dedicadas a costurar a história viva relatada na obra.
Ao longo de mais de 230 páginas, extenso trabalho de pesquisa e resgate de histórias realizado com recursos da Lei Aldir Blanc, o projeto objetiva dar visibilidade às vozes poéticas da cidade por meio do encontro poético de artistas guarulhenses que partilham das inquietações ao verem tantas belezas criadas pelos moradores da região perdendo-se no tempo. Do sentimento comum de que é necessário ampliar o alcance dessas vozes, a publicação se concretiza como um sonho que se torna realidade.
Antologia poético-documental, o livro trata-se da materialização de um patrimônio cultural em formato de publicação acerca das movimentações e produções artísticas com um recorte temporal que contempla a arte das duas primeiras décadas do século XXI. Para isso, o coletivo Ctrl+v convidou escritores locais com a temática inspirada em movimentos culturais que existiram ou resistem na cidade. A partir desta produção, a equipe realizou uma curadoria para que as poesias fossem fios condutores para a escrita de um texto coletivo: uma narrativa em prosa que tece uma história da cena artística guarulhense. Uma colcha de memória local com os versos que se tornam testemunhos para a posteridade de vivências particulares e coletivas fundamentais na construção da subjetividade do cidadão guarulhense.
O livro é destinado a todos aqueles que desejam embarcar na leitura com disposição para navegar em mares de gente. Repleta de metalinguagem, a obra é um convite que fala sobre a arte através da arte, sobre momentos poéticos através de poesias. Mais do que conhecer parte da arte independente de Guarulhos, sua leitura proporciona a exploração de histórias, momentos, sensações e experimentos coletivos a partir das visões singulares.
Partes que formam o todo
Produção coletiva, Rebelião Maromomi: Arte apesar da Maldição contou com a expertise de Aline Fonseca em produção e diagramação para a costura de todo o projeto gráfico do livro. Juliano Lourenço, que já pesquisa a produção literária contemporânea guarulhense, ficou com a edição da obra. Com olhos de lince treinados e dedicados a revisar, Jéssica Hab Donegá assumiu a responsabilidade de revisão.
O coletivo também contou com o brilhantismo dos artistas Daisy Coelho, Renato Lopes, Thiago Loreto e Victor Cali, que além das narrativas construídas ao longo do caminho percorrido, foram responsáveis pela elaboração e criação do projeto aprovado pelo edital do FunCultura. A esse time, somam-se ainda as criações de grandes artistas da cidade: Ariana Ana, Alexandre G. Vilas Boas, Camila Rhodes, Gustrago, Helo Vaka, Juan De Las, Luja, Moisés Pantolfi, Rosinha Morais, Valter Lima, Warley Noua e Will Carbônica.
Além do projeto gráfico e das colagens de Aline Fonseca, o livro tem também ilustrações de Moisés Pantolfi e Will Carbônica, produzidas especialmente para este trabalho. As fotos da equipe e artistas convidados são da fotógrafa Camila Rhodes. Ao longo da Rebelião Maromomi, há ainda outras fotos de Joel Dias Filho, recuperadas dos seus acervos de fotografias para estampar os movimentos culturais abordados e registrados na obra.
A lenda do cuspe do índio
Existe uma lenda em Guarulhos sobre a execução do último indígena Maromomi. Conta-se que, antes de morrer, ele amaldiçoa a terra cuspindo no chão. No imaginário popular, sua praga era o que fazia “a cidade nunca ir pra frente”. Ao mesmo tempo, na história oficial do município, existe uma outra narrativa que encara Guarulhos como “a cidade progresso”. De alguma forma, o coletivo Ctrl+v se apropriou dessa lenda, interpretando essa contradição como a maldição do progresso e do trabalho que é responsável pelo descaso com a memória da cidade por décadas. Nesse sentido, o livro foi pensado como algo que foi feito apesar das várias maldições que recaem sobre qualquer um que ousa fazer arte por aqui.
Diante de todos os desafios de produzir arte na cidade de Guarulhos e das carências de apoio e políticas públicas voltadas à área cultural, Rebelião Maromomi: Arte apesar da Maldição busca retratar e registrar o que arduamente foi produzido e considerado relevante para a cena nas últimas duas décadas. Seria impossível registrar tudo o que foi produzido de forma independente em Guarulhos, por isso, o coletivo Ctrl+v escolheu um período e locais vivenciados pela equipe e considerados importantes para a historicidade cultural da cidade. Dessa forma, não apaga o que já passou, pelo contrário, registra um legado cultural que de outra maneira poderia desvanecer sem antes inspirar a continuidade das movimentações daqui para frente.
A dimensão, o volume da produção artística na cidade e o tamanho da produção pessoal também chamou atenção do coletivo. Desde o processo de pesquisa ficou evidente que qualquer narrativa que insinue que a vida cultural e artística guarulhense seja escassa é falsa. Na realidade, as diversas iniciativas mostradas no livro são parte de uma história de resistência em diversos níveis.
Novo fôlego ao ato de rebelar-se
As duas edições do fanzine Rebelião Maromomi, que teve sua primeira publicação idealizada por Thiago Loreto, e a segunda, realizada por Juliano Lourenço, como base para sua pesquisa acadêmica, foram realizadas em parceria com o projeto Colar Faz Bem, de Aline Fonseca. As publicações contaram com a participação de diversos poetas remanescentes do saudoso Sarau Carolina Maria de Jesus, importante evento para a cena cultural de Guarulhos organizado por alguns integrantes da Ctrl+v. A importância foi tanta que batizou o livro na esperança de propagar com novo fôlego esse ato de rebelar-se.
Há alguns anos a ideia de contar a história da cena cultural de Guarulhos, numa perspectiva em que foi vista e vivida, inquietava o imaginário de alguns dos integrantes da equipe. A parceria para compor uma editora já fervilhava nas cabeças de Aline, Jéssica e Juliano. Contudo, o livro foi concebido na pandemia, embora o mote dele, o homônimo fanzine, tenha sido publicado em 2016. A bagagem dos artistas é parte fundamental e imprescindível. Na verdade, é ela que compõe toda a viagem e jornada, quer dizer, a partir dela foi possível costurar a trilha que forma parte da cena independente retratada. Seria impossível abarcar toda arte independente de Guarulhos, que se inicia muito antes do nascimento dos integrantes da equipe, mas a vivência de cada artista é justamente o recorte temporal, espacial e poético que foram capazes de cobrir.
Para o coletivo, o lançamento de Rebelião Maromomi: Arte apesar da Maldição tem uma importância gigantesca ao registrar de maneira física parte da caminhada da arte independente da cidade. Movimentos, expressões, artes, artistas que marcaram e fizeram parte, mas que estavam registrados nas memórias de quem viveu, nos acervos pessoais. É uma forma que o coletivo encontrou de eternizar e, definitivamente, não deixar passar em branco, mostrando e demonstrando que mesmo com a maldição, resistimos. Para o futuro, miram em continuar criando campo para a poesia, literatura e arte. A intenção é registrar as vozes poéticas, publicar livros, fanzines e também, manifestar os saraus que estão acontecendo de forma online presencialmente, pós pandemia e vacinação.
Para mais informações sobre o coletivo Ctrl+v, acesse a fanpage no Facebook: https://www.facebook.com/ctrlvpublicacoes. Para comprar ou ler o livro, acesse https://www.instagram.com/editoractrlv/. Outras informações podem ser obtidas pelo e-mail artectrlv@gmail.com.
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