Pós-Verdade
Novas ideias cativam novos leitores. As vezes são usadas palavras novas para explicar melhor o que já é conhecido. Um destes importantes conceitos popularizados recentemente é o de pós-verdade. Eleita palavra do ano de 2016 pelo dicionário da Universidade de Oxford da Inglaterra, é definido como um termo “que se relaciona ou denota circunstâncias nas quais fatos objetivos têm menos influência em moldar a opinião pública do que apelos à emoção e a crenças pessoais”.
Apelar à emoções e crenças não é um artifício novo na política, tem sido talvez a maior ferramenta para conquistar apoio das massas desde a democracia grega antiga, onde haviam inclusive cidades que proibiam a presença de retóricos que fizessem uso de suas técnicas de persuasão e influenciassem na política local.
Portanto não podemos dizer que este fenômeno é recente, resultado da pós-modernidade ou da internet, ele já é bem antigo, porém, estamos em um momento em que a radicalização na política nos obriga a analisar com cuidado cada afirmação, notícia ou discurso. Proliferam-se mentiras por todos os lados com claros objetivos de manipulação política. Todos estão se perguntando, como sempre, mas no momento com mais angústia: “No que podemos acreditar? ”
“Verdade” é um termo polivalente, nomeia afirmações, conceitos e crenças diversos. Pode nomear uma afirmação sincera e honesta, onde uma pessoa diz o que acredita ou presenciou. Também pode qualificar crenças em áreas do conhecimento específicas como economia, política, religião, física e outras. E, finalmente, nomeia a “realidade última”, o absoluto, por mais inalcançável que este seja.
Esta abordagem, distinguindo os usos do termo, pode ser considerada pós-moderna, e criticada pelo seu aparente relativismo. Dizem que os pós-modernos erram ao menosprezar a noção de objetividade, dando vazão a um subjetivismo irracional generalizado. Considero essa crítica caluniosa e infeliz, primeiro porque o conceito de pós-modernidade é muito ambíguo e mesmo os autores reconhecidos por serem pós-modernos não diziam que assim devia ser e sim que assim estava sendo e que mesmo havendo uma realidade última e objetiva fundamental sustentando a existência, o conhecimento pleno sobre ela não tinha sido alcançado e talvez nunca fosse, mesmo com tantos candidatos se declarando vitoriosos nesta disputa.
Podemos dizer que a filosofia recente tem se dedicado a compreender as disputas narrativas, algo que se tornou imprescindível nos dias atuais. Podem então atacar os supostos pós-modernos de relativistas, mas não podem negar o quanto tomam a própria narrativa, totalmente relativa e subjetiva, superior as demais. O diagnóstico destes supostos pós-modernos está correto, as disputas narrativas são evidentes, elas saltam aos olhos de todos e já não é possível ignorar essa situação.
O termo “pós-verdade” surge neste momento, com o acirramento dos conflitos e notem, com o prefixo “pós” semelhante ao de “pós-moderno”, que com suas reflexões poderiam ter contribuído para evitar tal radicalização, sendo ambos os termos usados com maior frequência pejorativamente. Resumindo, o termo “pós-verdade” denota o retorno do recalcamento do debate silenciado por uma interpretação errada do que seria a filosofia pós-moderna.
Imaginaram, alguns, que era possível gerir instituições apenas tecnicamente, sem interferências ideológicas e que esta imparcialidade garantiria sua autoridade para sempre, mas o que é mais evidente hoje é como forças políticas diversas atuaram e foram capazes de influenciar todas as instituições e principalmente aquelas que detém maior capacidade de formação da opinião pública, a mídia e a academia. A imparcialidade destas são atualmente questionada por todos, não sem razão e isso as enfraquece gravemente, as deslegitima. É então imprescindível que este debate, epistemológico, seja tomado a sério nestas instituições e volte ao palco das atenções coletivas, que estas instituições assumam parte da responsabilidade neste conjunto de coisas, pois senão não é apenas a “pós-verdade” e a “pós-modernidade” que estarão sobre risco, mas todos os valores modernos, como a laicidade do Estado, as liberdades individuais e a Democracia.
Marcelo Machado, cientista político pós-graduado pela PUC-SP, é pacifista e acredita na sociedade civil organizada como indutora de um desenvolvimento sustentável.
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