Toda mulher é um Oceano

Publicado por Revista Paná em

Desvendar os mistérios da alma feminina, ou ao menos parte deles, é e sempre será uma tarefa árdua para aqueles que estão determinados a alcançá-los através da observação e da razão, e um deleite sem fim para aqueles que, como Manoel de Barros, sabem que “poesia não é para compreender, mas para incorporar”.

Mesmo utilizando uma afirmação como título, não pretendo com minhas palavras delimitar o que é o universo feminino (isso seria injusto e, com certeza, impossível!), mas gostaria, ao contrário, de convidá-la para um mergulho comigo no nosso vasto oceano em busca dos elementos que nos unem e que estão, possivelmente, presentes em todas nós mulheres, mesmo sendo pessoas com histórias e personalidades tão distintas.

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Muitas de nós podem ainda não ter tomado consciência disso, mas acredito que toda mulher seja um oceano; às vezes com águas calmas e claras, às vezes com águas escuras e turbulentas. Além do que podemos observar do movimentar das ondas na sua vasta superfície, posso garantir que abaixo desta fina camada existe uma outra muito mais profunda onde vivem incontáveis seres em paisagens aquáticas inimagináveis. Essas águas anciãs acolhem coloridos recifes de corais, peixes-palhaços, anêmonas, cavalos marinhos, mas também ouriços do mar, águas-vivas, barracudas, moreias, tudo isso coabitando em um imenso mundo submerso. Há lugares iluminados e aquecidos pelos raios solares que ousam penetrar nas profundezas, porém há outros gélidos e sombrios. E, qualquer que seja este lugar, não é raro se deparar com seres aquáticos completamente desconhecidos, sejam eles de enorme beleza ou que causam horrendos arrepios.

Nossas águas também são movimentadas pela dança incessante das correntes marinhas quentes e frias que chegam arrastando pensamentos e sentimentos de lugar sem nos perguntar. E por mais que ocasionalmente nos sintamos desgastadas com este constante movimento, é importante aprender que é justamente esta dança que regula e faz pulsar o ecossistema dentro e fora do nosso oceano. Entregar-se à dança das correntes quentes e frias, ao invés de resistir à ela, significa se permitir visitar paisagens internas muitas vezes, até então, desconhecidas.

Além disso, é preciso lembrar que, assim como a seiva das plantas, as águas do oceano feminino também são influenciadas pelos ciclos lunares que agem sobre o líquido mais sagrado do nosso corpo: o sangue que derramamos a cada quatro luas. E admitir que nem sempre temos total controle sobre nossos humores é às vezes um dolorido processo de desapego na jornada do autoconhecimento da mulher! É como ter que nos entregar e confiar totalmente a este corpo celestial, à sabedoria desta grande mãe, para que ela possa nos ensinar mais sobre nós mesmas e sobre o ciclo de vida-morte-vida. Quando nosso corpo está livre de hormônios sintéticos (pílula) e quando observamos atentamente a relação das fases da Lua com os possíveis padrões das “marés” de nosso comportamento, esta conexão começa a se afinar. Ao passo que uma mulher se conscientiza desta sintonia, aprendendo a conhecer, aceitar e, de fato, respeitar estes ciclos, ela começa também a se empoderar e se sentir desperta, o que, consequentemente, a torna mais responsável sobre si mesma. Tentaram nos ensinar que nosso sangue é sujo e vergonhoso, quando, na verdade, é poderosamente carregado de mistério e beleza.

Photo by Jeremy Bishop on Unsplash

E o belo e o desconhecido fascinam, mas também podem amedrontar os que não (se) conhecem. Esta contraposição entre o que se vê na superfície e o que há submerso na alma feminina, entre o claro e o escuro, o quente e o frio, o encantador e o amedrontador, só mostra que o universo feminino é dual e aceitar esta dualidade natural presente em toda mulher é algo essencial para poder amar-se/amá-la verdadeiramente! Justamente por não compreenderem esta natureza complexa, por gerações nos rotularam de “histéricas”, “complicadas”, “problemáticas”, o que nos fez nos afastar cada vez mais da nossa própria essência. Nos fizeram crer que esta dualidade era algo extremamente indesejável e deveria ser combatido, o que causou uma espécie de “esquizofrenia” nos nossos sentidos. Com o passar do tempo, o tesouro de nossa psique, a nossa intuição, começou a se perder. Passamos a nos sentir desconectadas de nós mesmas, duvidando de nossos instintos, assim como nos desconectamos também umas das outras, nos enfraquecendo como irmãs. Desta forma, nossas águas ficaram desprotegidas e começaram a adentrá-las desrespeitosamente sem compreender sua sacralidade. Assim, muitas mulheres feridas resolveram não permitir que ninguém mais se aproximasse de sua orla, nem mesmo pessoas bem intencionadas. Outras, também muito ressentidas, tornaram-se “iaras” atraindo alguns homens até as regiões mais escuras de seu ser, fazendo com que não mais voltassem (no entanto, tais mulheres provavelmente ainda não perceberam que esses cadáveres também envenenam suas águas).

Mas há gerações estamos passando por um longo processo de cura do feminino (assim como os homens também, ainda bem). Primeiramente, muitas estão buscando lucidamente se autoconhecer, ganhando consciência sobre o quanto suas águas são sagradas e que, antes de convidar alguém para entrar ou permitir que entre, é importante que o outro também tenha plena consciência deste fato; tudo dependerá da confiança e respeito conquistados. E não tente entrar no oceano de uma mulher à força ou com sedução (acredite, se uma mulher desperta perceber qualquer tipo manipulação, será difícil reconquistar sua confiança!). Se quiser sinceramente permissão para entrar em suas águas, simplesmente seja você mesma e permita que ela também adentre no seu espaço sagrado com o mesmo grau de verdade e entrega. E não importa se queira permanecer naquelas águas por muito ou pouco tempo. Mesmo que seja só para molhar rapidamente os pés na beirada; se divertir por mais tempo nas ondas onde ainda dá pé ou até mesmo para mergulhar em alto mar assumindo todo risco e beleza que isso possa implicar, acredito que o que toda mulher deseja é que adentrem em seu oceano sagrado com respeito, sinceridade e gentileza, e se algum dia quiser ou tiver que sair, que saia agindo da mesma maneira.

Somos complexas sim, mas os que se dispõem a conhecer e admirar tal complexidade, também são agraciados com a inenarrável beleza e poesia do universo feminino. Isso você pode ter certeza!

Cibele Amaral, Arte Educadora e Ambientalista


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